Estudo aponta sequelas cognitivas em 80% dos pacientes curados da Covid-19

A técnica em enfermagem Sâmia Regina Aragão, 57 anos, se contaminou enquanto combatia a Covid-19, ainda em maio de 2020, mas conta que vive uma vida completamente diferente de antes da infecção. “Não tenho equilíbrio para andar, fiquei com neuropatia nos dois pés, problema no coração, tive minha memória afetada, tomo remédio para dormir, meu cabelo caiu muito”, detalha. Embora curada do novo coronavírus, ela é uma das pessoas que continua com sequelas da doença, algo que pode ser mais comum do que imaginamos.

Um estudo realizado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (InCor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), mostrou disfunções cognitivas em 80% dos pacientes que já foram contaminados pela Covid-19. A pesquisa, inédita no mundo, mostra que nem mesmo a recuperação
física é garantia de uma recuperação cognitiva, e que até aqueles que tiveram casos leves podem continuar com sequelas.

O quadro de Sâmia foi grave. Foram 33 dias em que a moradora do Distrito Federal esteve entubada e 49 dias internada. “Quando saí do hospital, não falava, não andava, não firmava meu corpo, ele caía para o lado. Até recentemente, nesses últimos dias, subi em uma escada em casa e não consegui descer sem ajuda do meu filho. Tenho medo de ir para a rua, me desequilibrar e cair no chão.  A Covid-19 acabou comigo”, lamenta.

Sequelas

Os sintomas descritos por ela são comuns aos percebidos em casos estudados no Incor. A maior parte dos voluntários apresentou dificuldade de concentração, perda de memória, dificuldades de raciocínio, mudanças comportamentais e emocionais.

A percepção visual foi afetada em 92,4% dos participantes, enquanto a memória de curto prazo sofreu mudanças em 62,7% e a de longo prazo teve alterações em 26,8% dos pacientes. A perda da coordenação motora, que ocasiona quedas, também é reclamada por boa parte dos curados da Covid-19. Os pesquisadores utilizam exercícios cognitivos específicos para reversão dos quadros, analisados caso a caso.

O estudo é conduzido pela neuropsicóloga do Incor Lívia Stocco Sanches Valentin, que explica os casos mais comuns. “Após a remissão dos sintomas físicos da Covid-19, sobra uma grande disfunção cognitiva. O paciente começa a se perceber mais desatento, acaba esquecendo palavras do dia a dia, esquece nome de coisas ou de realizar tarefas, como pagar uma conta, até coisas mais graves, como cair com facilidade ou não conseguir se localizar no espaço em que está.”

Entendendo os sintomas

Especialistas lembram que não há um tratamento universal que possa atender a todos os pacientes com sequelas, pois cada um exige avaliações específicas. Porém, Lívia pontua que algumas ações simples podem evitar sequelas mais leves. “Após a recuperação [da Covid-19], devemos exercitar o cérebro, como se fosse uma ginástica muscular. Fazer exercícios aeróbicos, caminhadas, andar pelo parque, pilates, ioga. Até exercícios que exercitem o cérebro, como jogos de memória, jogos digitais”, diz.

Na pesquisa do Incor, a neuropsicóloga utiliza o jogo digital MentalPlus®, criado por ela em 2010, e já pôde perceber com o aplicativo disfunções cognitivas em pacientes independentemente do grau da doença, da faixa etária ou do nível de escolaridade. O jogo tem como objetivo auxiliar no diagnóstico de doenças cognitivas e é utilizado por profissionais.

Julival Ribeiro, médico infectologista e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), ressalta que ainda há um longo caminho científico para compreender os efeitos do novo coronavírus, mas que esses danos são explicados pela forma como ele age no corpo, atingindo diversos órgãos.

“A Covid-19 é uma doença nova, que nós temos muito ainda a aprender da sua fisiopatologia e o que realmente ela causa no organismo do ser humano. Ela compromete vários órgãos, desde pulmão, coração, rim, sistema nervoso central, sistema vascular, entre outros. A pessoa com sequelas tem que procurar os serviços de saúde para a especialidade específica daquele sintoma”, resume.

Esse alerta também é feito pela infectologista do Hospital Águas Claras Ana Helena Germoglio, que estuda casos na literatura médica e já identificou nela mesma uma fadiga mental após a contaminação que sofreu. A especialista conta que as sequelas podem ser multissistêmicas, afetando mais o sistema nervoso e sistema musculoesquelético.

“Se a gente procura na maior plataforma de busca de artigos médicos, encontramos mais 10 mil artigos sobre sequelas da Covid-19, que podem acontecer em qualquer parte do nosso organismo. Os pacientes que usam ventilação mecânica tendem a ter sequelas pulmonares, desde as formas mais leves até as mais graves, mas as sequelas podem acontecer em qualquer sistema nosso.”

Outra pesquisa que analisa quadros pós-contaminações vem da Universidade Federal de Minas Gerais. Débora Marques de Miranda, pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, diz que o estudo já começou a identificar sequelas neurológicas e psiquiátricas.

“Estamos encontrando, seis meses depois, alterações neuropsicológicas em 30% dos pacientes com histórico de infecção, que são vistas em avaliações e em exames de imagem”, adianta. Especialistas lembram que as pessoas com sequelas devem procurar atendimento profissional para a especialidade específica do sintoma sentido.

Edmilson Teixeira

É Jornalista graduado pela UFAL em 1987 e Pós-Graduado em Assessoria de Comunicação e Marketing pelo Cesmac, em 2010.